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domingo, 20 de abril de 2008

Mais do café especial Kupis Luwaks


A refeição mais cara que eu já fiz deve ter custado por volta dos 500 dólares. Dólares dos anos 80. Não paguei um centavo. Foi no restaurante Four Seasons, em Nova York, e eu estava como convidado de meu querido Paulo Francis.
Refeição cara paga por mim, lembro de uma só: no Le Bec Fin, no Rio. Custou tanto que eu me recuso até hoje a pensar. Fica a ressalva de que foi um bom investimento. A jovem que eu queria impressionar (para depois imprensar) impressionou-se, foi devidamente imprensada e a noite acabou bem, muito bem. Seguida, diga-se de passagem, de várias outras noites, tardes, manhãs, madrugadas.
Até hoje me pergunto se eu tivesse convidado a jovem em questão para um sanduíche de pernil e umas birinaites no botequim da esquina não teria obtido o mesmo resultado. Prefiro não encarar a possibilidade.
Àqueles e àquelas de maior sensibilidade e dispostos a apontar o dedinho para tudo acusando de sexismo e misoginia, eu me defendo dizendo que é para pegarem esse dedinho e… Pois é.
O que eu penso é no cafezinho que andam servindo aqui em Londres, não muito longe de onde moro. Ali, no segundo andar da loja de departamentos Peter Jones, em Sloane Square. Custa 50 libras, por volta dos 100 dólares. Sim, é uma xicrinha comum. Como o ubíquo espresso, como nosso cafezinho ralo e “três efes” (perguntem a alguém mais vivido) tomado em pé enquanto se bate um papo mole com um companheiro.
Haja paladar exigente. Hajam papilas gustativas. Haja carteira gorda. Vergonha na cara? Não precisa.
Aos fatos:
A xicrinha tem nome. Caffé Raro. Foi criado por De Longhi, me informa um jornal. Deve ser bom de bola esse cara. Nunca ouvi falar do homem. Sua vida, a do Caffé Raro, será breve. A oferta, como um ventilador de liquidação, só é válida até o fim deste mês. Depois, volta tudo ao precinho ligeiramente exorbitante de sempre.
O Caffé Raro conta com dois dos grãos de café (a “preciosa rubiácea”, lembram-se? No caso, bota preciosa nisso) mais raros do mundo: o Jamaican Blue Mountain e – atenção, muita atenção agora – o Kupi Luwak, que é importado lá da Indonésia após ser catado, por assim dizer, por civets, ou seja, algálias, que constituem os gatos selvagens indígenas do popular país do sudeste asiático.
Agora aos dados pitorescos, por assim dizer. Os civets (não consigo chamar bicho nenhum de algália; isso pra mim é planta aquática selvagem) são vivíssimos. Saem pelas selvas farejando aqui e ali até encontrar os tais dos raríssimos grãos de café, os Kupis Luwaks.
Os civets agem, pois, como aqueles porcões que saem pelas florestas da França e da Itália, principalmente, fuçando trufas. Com uma diferença importantíssima. Segurem-se aí. Os civets comem os Kupis (é, pegam uma certa intimidade com o grão) e, depois, como todos nós, descomem-no.
Neste ponto, entra a engenhosidade do homem. Do homem indonésio, para ser mais claro. Eles catam com o maior cuidado os cocozinhos dos civets, limpam, lustram e exportam. Levantando uma nota.
Destaque-se esta que deve ser uma das ocupações humanas mais duras na face da Terra: sair pelas florestas indonésias catando cocô de algália. Sim, senhor, aí vira algália de novo.
Isso me lembra a famosa frase do feroz satirista irlandês, Jonathan Swift: “Deve ter sido um bravo, o primeiro homem a comer uma ostra.”


Fonte: Ivan Lessa
Colunista da BBC Brasil