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terça-feira, 29 de julho de 2008

A cidade mais fria do mundo !!

A 5°C negativos o frio pode ser refrescante.
  • A 20°C negativos a umidade no nariz se congela e fica difícil não tossir.
  • A 35°C negativos a pele exposta ao ar fica dormente e a necrose é um risco.
  • E a menos 45°C até usar óculos fica complicado. O metal gruda no rosto e nas orelhas e rasga pedaços da pele quando você decide tirá-los. Sei disso porque acabo de chegar a Yakutsk, lugar onde os amistosos nativos me alertaram para não usar óculos ao ar livre.
Yakutsk é uma cidade remota na Sibéria Oriental (população: 200 mil), famosa por aparecer no clássico jogo de tabuleiro Risk (versão do War) e por deter a fama de ser a cidade mais fria da Terra.
  • Em Janeiro a média fica em torno de 40°C negativos. A névoa que cobre a cidade restringe a visibilidade a 10 metros. Moradores em pesados casacos de pele passam pela praça central, adornada por uma árvore de Natal congelada e uma estátua de Lenin.
    Logo descobri que, ali, temperaturas na casa dos 40°C negativos são descritas
    como 'frio, mas não muito frio'.

Em Yakutsk, a maioria dos carros é de importados japoneses de segunda mão, que aparentemente resistem melhor ao frio do que os veículos russos tradicionais. Ainda assim, os moradores costumam deixar o motor funcionando se vão parar apenas por meia hora, e alguns deixam-no ligado o dia inteiro, durante o expediente de trabalho, para garantir uma temperatura minimamente tolerável na volta para casa. A fumaça dos escapamentos contribui para a névoa que paira sobre a cidade.

A região foi inicialmente conquistada pelos russos na década de 1630. No século 19 era usada como prisão aberta para dissidentes políticos. Anton Chekhov, em sua Jornada de 1890 pela Sibéria, pintou um quadro sombrio da vida dos prisioneiros dali. 'Eles perderam todo o calor que ja tiveram', escreveu. 'As unicas coisas que lhes restam na vida são vodca, vagabundas, mais vagabundas, mais vodca... Não são mais seres humanos, mas bestas selvagens'. Lenin e Stalin foram dois dos presos politicos exilados em Yakutsk.

As aulas só são suspensas quando o termômetro cai abaixo de 55 graus Celsius. A região é rica em ouro e diamantes, razão pela qual os soviéticos decidiram transformar Yakutsk num importante centro regional, primeiro com o sistema de trabalho forçado do Gulag, depois colonizando a região com milhares de voluntários em busca de aventura, melhores salários e a chance de construir o socialismo no gelo. A megaempresa Alrosa, responsável por 20% da oferta mundial de diamantes brutos, tem sua sede na região.

Com o tempo, Yakutsk virou uma cidade de verdade, com hotéis, cinemas, uma ópera, universidades, entrega de pizza e até zoológico. Apesar de os nativos manterem estoicamente seus afazeres, e de criancas brincarem na neve da praça
central, percebo que preciso de um táxi para continuar minha exploração.

Os 13 minutos que passei ao ar livre me deixaram sem fôlego, praguejando e cheio de dores, o meu rosto tão vermelho que parece que acabo de voltar de uma semana no Caribe. Desabo na cama do hotel e preciso de meia hora para voltar a sentir meu corpo. A parte mais desagradável começa 15 minutos depois, quando as pernas, de volta à temperatura habitual, sentem uma cãibra quente sendo irradiada de dentro para fora, e todo o corpo começa a coçar.

Vou ao mercado, cheio de gente vendendo peixe, porcos e coração de cavalo,
tudo congelado. 'É claro que faz frio, mas você se acostuma', diz Nina, uma yakut que passa oito horas por dia de pé na sua banca de peixes. 'Os seres humanos se acostumam com qualquer coisa'. Mas ainda assim, o nível de resistência é dificil de compreender. Os operários continuam trabalhando na construção civil até os 50°C negativos (abaixo disso o metal se torna quebradiço) e as aulas só são suspensas quando o termômetro cai abaixo de menos 55°C (embora o jardim-de-infância feche com menos 50°C).

Quase sem exceção, as mulheres se cobrem da cabeça aos pés com peles, muitas delas produzidas ali mesmo. Nesse clima a ética pouco importa. 'Vi na televisão que na Europa existem lunáticos que dizem que não é legal usar pele porque eles amam os animais', diz Natasha, uma moradora de Yakutsk que veste um casaco de coelho e um encantador chapéu de raposa ártica. 'Deveriam vir para cá para ver se ainda se preocupam tanto com os animais. Aqui você precisa vestir peles se quiser sobreviver'.

Shaun Walker escreveu esta reportagem para o jornal britânico The Independent, a Revista da Semana e para o NeoSeganet Reporter